26 de abr. de 2007

Fernando Pessoa... O relógio



Acordo de noite subitamente
E o meu relógio ocupa a noite toda.
Não sinto a natureza lá fora,
O meu quarto é uma coisa escura,
Com paredes vagamente brancas.

Lá fora há um sossego como se nada existisse.
Só o relógio prossegue o seu ruído.

E esta pequena coisa de engrenagens que está
Em cima da minha mesa
Abafa toda a existência da terra e do céu...
Quase que me perco a pensar
O que isto significa,

Mas estaco, e sinto-me
Sorrir na noite com os cantos da boca,
Porque a única coisa que o meu relógio
Simboliza ou significa
É a curiosa sensação de encher a noite enorme
Com sua pequenez.


Fernando Pessoa

17 de abr. de 2007

Diálogos


Diálogos


Há tantos diálogos

Diálogos com o ser amado
O semelhante
O diferente
O indiferente
O oposto
O adversário
O surdo- mudo
O possesso
O irracional
O vegetal
O mineral
O inominado

Diálogos consigo mesmo

Com a noite
Os astros
Os mortos
As idéias
O sonho
O passado
O mais que futuro

Escolhe teu diálogo e
Tua melhor palavra
Ou teu melhor silêncio.
Mesmo no silêncio e com o
Silêncio
Dialogamos.

Carlos Drummond de Andrade
In: Discurso de Primavera e algumas sombras.
Ed. José Olympio.
Foto: Doisneau

14 de abr. de 2007

As palavras


A solidão de uma palavra.
Uma colina quando a espuma
salta contra o mês de maio escrito
A mão que o escreve agora.
Até cada coisa mergulhar no seu batismo.
Até que essa palavra se transmude em nome
e pouse, pelo sopro, no centro
de como corres cheio de luz selvagem,
como se levasses uma faixa de água
entre
o coração e o umbigo.

Herberto Helder in Poesia Toda

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As @ Artérias

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